Hoje vou-vos falar de um filme que me é muito caro. Assumindo-me como paladino pela cruzada do bom nome de Ken Russell, considero este seu THE DEVILS como o melhor filme britânico do século XX. Nem mais, nem menos. Michael Powell e Emeric Pressburger que me desculpem e não vos retiro o mérito de terem criado um body of work excelente e praticamente sem máculas, mas o meu coração fala aqui mais alto.
Feito exactamente antes de THE BOY FRIEND, a sua natureza e temas não podiam ser mais díspares. Enquanto que o segundo é um musical ligeiro de grande orçamento com Twiggy a embalar-nos e encantar-nos com canções dos anos 20, já o primeiro é um relato de acontecimentos reais que mexe com religião, poder, possessões demoníacas num convento e jogos políticos. Como podem imaginar, é todo um cocktail molotov que explode no écrã em forma de filme. Com uma fotografia exemplar de David Watkins, cenários de Derek Jarman e uma direcção de actores fabulosa da parte do realizador, THE DEVILS assume-se como um filme que ainda hoje consegue causar celeuma. Mais à frente saberão como e porquê.
Russell nesta fase da sua carreira era visto no Reino Unido como a grande esperança no cinema britânico. Depois de ter trabalhado para a BBC fazendo filmes/documentários sobre personagens históricas do mundo das artes tais como Delius, Isadora Duncan, Strauss e Elgar entre muitas outras, dá o grande salto para o cinema com WOMEN IN LOVE, uma adaptação da famosa obra de D. H. Lawrence que causa furor por onde passa e consegue a proeza de arrecadar o Óscar de Melhor Actriz a Glenda Jackson, por sinal, bem merecido. Seguidamente, cria um filme fabuloso sobre a vida de Tchaikovsky com Richard Chamberlain no papel principal e onde o virtuosismo visual já se começa a manifestar em toda a sua força. Um dia destes falarei mais ao pormenor sobre este filme, THE MUSIC LOVERS. Ora, a Warner Brothers sabendo que Russell era um realizador a apostar, dá-lhe carta branca para realizar THE DEVILS. Mal sabiam eles que se iriam arrepender profundamente. Sem razão nenhuma, a meu ver. Mas vamos por partes.
THE DEVILS é baseado então em acontecimentos reais que se passaram em Loudon em França, numa altura em que o estado e a igreja andavam a medir forças. Oliver Reed protagoniza o papel principal, o do padre Urbain Grandier, na que é unanimamente considerada a sua melhor interpretação de sempre num filme. Grandier era, diga-se de passagem, um padre muito, digamos, avançado para a sua época. Tudo que era mulherio andava caídinho por ele, inclusivé as freiras e a madre superiora do convento local (lembrem-se que isto passava-se numa altura em que muitas das freiras não entravam no convento por devoção, mas sim por castigo dos pais ou por outro motivo alheio à fé). Esta situação não passava despercebida por parte do clero, também este ansioso por poder. E "Poder" é mesmo a palavra chave neste filme e nesta história: Grandier tinha poder de veto absoluto na população de Loudon, estatuto que lhe foi concedido pelo anterior monarca, facto que desagradava e muito ao seu sucessor ao trono que juntamente com o Cardeal vai montar uma tramóia bem montadinha para derrubar Grandier e apoderar-se de Loudon.
Tomando partido de uma situação de "descontrolo hormonal" dentro do convento, vão enviar um exorcista a Loudon para tirar os demónios das almas das freiras que aparentam estarem possuídas pelo "diabo" Grandier. Não se riam. Isto aconteceu mesmo. E o que é certo é que funcionou na perfeição. Grandier foi derrubado e acusado de satanismo num dos maiores julgamentos da história. E é aqui que entra o tal arrependimento por parte da Warner. Russell, na que é considerada a cena chave do filme, filma o delírio sexual das freiras completamente sem pudores, contrapondo o casamento pagão que Grandier celebrava para consolidar a sua união com a sua amante. E é exactamente este contraponto de espiritualidade e de profanidade que vai fazer com que a Warner diga "Não!", cortando esta poderosíssima cena (a que apelidaram de Rape of Christ por razões que aqui não explico para não vos fazer mais spoilers) de todas as cópias de THE DEVILS, privando-nos a todos da visão completa de Russell.
Durante anos, esta cena julgou-se perdida e foi só à custa do empenho do crítico de cinema inglês Mark Kermode que ela foi encontrada e posteriormente inserida num director's cut que existe e que foi feito com a aprovação de Russell, que o apresentou depois a todo o mundo no National Film Theatre de Londres em 2004 perante uma plateia em êxtase. Ora, posto isto, venha daí o DVD, correcto? Pois é. Pelos vistos, não. O que é que a Warner Bros. terá contra Russell, não sei. O que é certo é que deve estar mesmo à espera que ele morra para editar a sua obra no formato digital. Em 2007, esta capa que vêem à vossa direita apareceu em tudo que é site de notícias de DVD a anunciar a chegada do filme às lojas. Mas no dia logo a seguir ao seu anúncio, a Warner desconfirma o seu lançamento. Estranho, não é? Algo se passa que não tem nada a ver connosco, público comprador fiel, mas o que é certo é que se quiserem ver este filme grandioso, vão ter mesmo que recorrer a outras vias... E façam-no sem problemas nenhuns, para que a Warner saiba que está a perder dinheiro desnecessariamente.
Fiquem então com o trailer da época e, se puderem, escrevam lá uma cartinha à Warner a dizer que eles não precisam mesmo de lançar o THE DEVILS em DVD porque meio mundo já o tem em casa...
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The Devils
sábado, 25 de julho de 2009
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