Begotten

domingo, 9 de agosto de 2009


Realizada em 1989 (apesar da IMDB indicar 1990) a primeira longa metragem de Edmund Elias Merhige, o realizador de outros títulos mais conhecidos como "A Sombra do Vampiro" (de 2000), ou "Suspect Zero" (de 2004), é uma obra cinematográfica impressionante e para a qual é difícil arranjar palavras.

Tomei contacto com este filme quando em 1900 e carqueja (não me recordo exactamente) li sobre ele na agora defunta revista Propaganda. Pouco depois acabei por vê-lo na festa de aniversário da namorada de um amigo meu.

Ficou indelevelmente gravado na minha memória e no meu subconsciente, sem dúvida.

É uma fusão entre cinema, poesia e metafísica como raramente se vê no grande ecrã (ou noutro qualquer).

Visualmente, é avassalador; filmado em película reversível a preto e branco para voltar a ser re-filmado (ou melhor, fotografado frame a frame pelo que li na tal Propaganda), muitos gostam de comparar a estética empregue neste filme a outros como Eraserhead embora, em boa verdade, não seja semelhante... a comparação surgirá, creio, pela da necessidade de catalogar e o filme mencionado entra, vagamente, na mesma categoria deste.
O que este filme parece, estéticamente falando, é um qualquer pedaço de arqueologia cinemática; um artefacto dos tempos do início da criação, como se alguém tivesse lá estado, filmado os primeiros dias e depois enterrado o filme para nós o encontrarmos algures no tempo.

Do início da criação é do que o filme trata. Uma metáfora da relação da Humanidade com a Terra (a meu ver).

Deus mata-se, eviscerando-se com uma lâmina e dos seus despojos escatológicos de sangue e fezes surge a Mãe Terra que acaba por se envolver sexualmente com ele (retratado de um modo bastante explícito no filme).

Desta união surgirá o Filho da Terra/Carne nos Ossos (como é listado nos créditos) e juntos começam a deambular pela inóspita Terra do início dos tempos - uma visão do Jardim do Éden muito sui generis, acreditem.

Deambulando vão até se cruzarem com um grupo de hominídeos andrajosos que a início os adoram, para de seguida os torturarem, desmembrarem e acabar por enterrar.
No local onde os corpos jazem, a vida desperta e a flora surge na desolação.

O filme não tem diálogos, o que o torna um feito ainda maior, pois manter uma narrativa coerente sem conversa não é para todos. O que tem sim é uma banda sonora muito minimalista assente em sons naturais como o de insectos, aves e afins que ajuda a manter o tom perturbador do filme.

Perturbador é o que isto é, e não por assustar ou enojar (que também consegue, mesmo aos espectadores mais endurecidos), antes por termos sempre a sensação de estar a ver algo que sendo familiar, não nos parece deste mundo.

Considerado como "um dos 10 filmes mais importantes dos tempos modernos" por Susan Sontag, este filme é, sem sombra de dúvida, de visionamento obrigatório ainda que talvez não por todos.
Os 78 minutos deste filme a mim não me chatearam mas dizem os entendidos que a edição o deveria ter apontado para os 60 de modo a manter o ritmo mais coeso; a verdade é que, tanto tempo com tantas imagens fortemente escatológicas e poderosas vai abalar alguns, fica o aviso.

O trailer é ranhoso mas dá para ficarem com uma ideia da coisa; não o vejam com crianças por perto ou familiares impressionáveis :)