Zabriskie Point

segunda-feira, 3 de agosto de 2009


Há filmes que sabem melhor vistos no Verão. Tal como este Zabriskie Point do recentemente desaparecido Michelangelo Antonioni. Vi-o pela primeira vez num Verão há muitos anos atrás, numa soirée em casa de amigos também eles cinéfilos e ficou-me para sempre aquela sensação de calor e de cores saturadas, tão próprias das paisagens do filme e da sua esplêndida fotografia.

Este filme é muito sui generis, tanto em concepção como no seu historial. Antonioni, por esta altura, já tinha depurado de tal maneira o seu estilo narrativo e visual que se tornara bastante fácil identificar um dos seus filmes só pelo contacto visual imediato com as imagens no grande ecrã. No entanto, para o seu primeiro filme americano, e contando com a inestimável ajuda do seu Director de Fotografia - Alfio Contini - cria novas linguagens e texturas cromáticas partindo sempre do suporte arquitectónico à sua disposição (de recordar que a sua formação académica é exactamente a arquitectura). Em especial destaque está também a banda-sonora que Antonioni encomendou aos ainda novatos Pink Floyd. As suas paisagens sonoras encaixam perfeitamente com a aridez dos cenários e com a esterilidade das personagens. Se juntarmos a isto uma cacofonia de sons, tão própria das grandes civilizações que se sobrepõem a um encadeamento visual de logotipos, marcas e todo um arraial de bulícios urbanos, podemos perfeitamente ver porque é que este se filme consegue ser dos seus melhor conseguidos.

O ano que corria era o de 1970 e Antonioni, exímio poeta do espírito humano, pega em assuntos da ordem do dia numa época em que os Estados Unidos atravessavam grandes transformações políticas e sociológicas. O descontentamento da era hippie, a contra-revolução afro-americana, o feminismo defendido por palavras mas não praticado em actos, tudo serviu para o realizador italiano abordar nesta sua obra maldita. Sim, eu escrevi maldita. Se pensam que este filme (que para mim sempre foi um grande filme, apesar de em todos os manuais e escritos estar bem exiplícito o desagrado com que esta sua obra foi recebida) foi um êxito, desenganem-se. Raras vezes uma obra de um grande mestre foi tão vilmente atacada pela imprensa e tão mal compreendida pelo seu público alvo. Raras vezes, também, foi uma obra de um grande mestre tão incisiva e tão acutilante na sua mensagem. Não é de todo de admirar que a sua visão pessimista, anti-sistema e desafectada tenha sido mal acolhida.

O filme, esse, continua intemporal e cada vez mais premonitório. O final, literalmente explosivo, e o olhar sonhador da personagem principal feminina dão-nos a entender que o sonho de uma melhor sociedade não passou mesmo disso: um sonho.