Laços brancos e arames invisíveis

terça-feira, 8 de junho de 2010


Hoje apetece-me um pequeno desabafo. Porque acho impressionante que certas coisas que merecem toda a nossa atenção ainda continuem a ser tratadas com a maior das leviandades nesta época em que vivemos de completo esclarecimento. E não estou a falar de problemas como a pobreza ou a iliteracia. Estou a falar de uma coisa tão importante para o progresso da humanidade como é o Cinema. Espantados? Toda a Arte é importante para o desenvolvimento de qualquer civilização e a nossa ocidental não é excepção. Se eu não pensasse assim, não vinha para aqui escrevinhar diariamente, como o tento fazer sempre que posso.

Porque é então que filmes tão importantes para a percepção de quem nós somos pós-2ª Guerra Mundial como é DAS WEISSE BAND do austríaco Michael Haneke, me foi quase desencorajado a ver na própria bilheteira da sala de cinema a que me propús a vê-lo? Tudo bem que foi num multiplex e que este tipo de filme não encaixa lá muito bem num ambiente consumista, onde até os próprios filmes que por lá passam convidam as pessoas a comprar e comprar à custa de um bem estudado product placement. Mas, se calhar, até era bom que mais filmes destes por lá passassem, porque, com alguma sorte, os gunas de um qualquer subúrbio viam-se obrigados a ver um filme iraniano (por exemplo), porque a mais recente máquina de fazer dinheiro de Will Smith (leia-se, o mais recente filme) já estava esgotado. E mesmo que esses mesmos gunas saíssem a meio, ao menos teriam experimentado algo diferente que lhes teria deixado uma marca, seja ela boa ou má. Eu e o meu optimismo, eu sei...


Mas eu explico. Imaginem como se sentiriam se, ao comprarem um bilhete para um filme que inclusivé ganhou a Palma de Ouro em Cannes, fossem informados pela menina que vos está a atender, que o filme é a preto-e-branco. Sim, porque ninguém gosta de filmes a preto-e-branco e, não vá o diabo tecê-las, mais vale prevenir do que remediar. Que neste caso seria pedir a devolução do preço do bilhete porque ninguém avisou. Claro. Ou chama-se já a DECO. E mainada. Quando eu digo que já sabia, a menina lança-me outro desafio em forma de aviso: é que a meio do filme não se conseguem ler as legendas durante 15 minutos porque a cena em questão leva neve. Choque. Ah!, e o filme é em alemão. Bem, por esta altura do campeonato, o espectador médio já está a estudar as outras hipóteses de serão. O que ela não sabe, mas eu digo-lhe, é que eu não me importo nada disso porque até sei falar alemão (e a cena em questão leva no máximo 5 minutos a passar e não os 15, que poderá parecer uma eternidade para quem não saiba a língua, compreendo). E o que é certo também é que aquilo que é dito nesses 5 minutos não tem grande relevância para a história. E isto é que a menina da bilheteira poderia ter acrescentado para não dissuadir tão descaradamente os potenciais espectadores de uma obra-prima do cinema contemporâneo. Porque é o que isto é: uma obra-prima. Que todos os que gostam verdadeiramente de cinema deveriam ver.


Mas eu compreendo que haja quem não goste de filmes a preto-e-branco de duas horas e meia em alemão. E que goste de ir ao cinema à mesma. Mas aquilo que vão ver não é cinema. São produtos. E eu que gosto de algum trash na minha vida, até me chego a sentir ofendido com a lixeira que vem de Hollywood. Haja decoro! Mas finalizando, são estes arames invisíveis (quem viu DAS WEISSE BAND sabe do que estou a falar) que impedem muitas vezes que se veja boa Arte. Daquelas que nos validam como seres viventes na era moderna da História Mundial.