3 Women

quinta-feira, 22 de julho de 2010



A carreira de Robert Altman é das mais idiossincráticas e iconoclastas que o Cinema Americano conheceu. Senhor de uma linguagem só sua e de uma visão da América muito particular, os filmes que deixou como legado são como postais de um álbum que se folheia com espanto e infinita curiosidade. Americano até ao tutano, passando a rima e não querendo irritar o finado, possuia contudo uma visão igualmente irónica e fascinada com o "American way of life". O curioso na sua carreira é que, de quando em vez, se permitia explorar uma tangente só sua, levando-nos a paragens que, através dos seus olhos, transcendiam o banal, elevando-o a extraordinário. 3 WOMEN é um desses casos.


Aparentemente inspirado por um sonho seu (e conscientemente influenciado por aquela obra magna que é PERSONA de Bergman), 3 WOMEN narra a banalíssima história de duas raparigas que vão travar amizade fruto do trabalho que partilham: tomar conta de velhinhos num Lar para a 3ª Idade. Até aqui tudo bem, mas quando sabemos que as actrizes principais são Sissy Spacek e Shelley Duvall, aí o caso muda drasticamente de figura. Estas duas actrizes são talvez as duas maiores "anomalias" do cinema americano dos anos 70, visto não serem belezas típicas (uma ruiva e sardenta e com um olhar quase reptiliano, a outra escanzelada e alta e de olhos esbugalhados). E saber que tiveram excelentes carreiras em filmes igualmente excelentes e marcantes, só prova como os tempos eram outros, em que se dava importância sim a indivíduos com características muito próprias e não a clones "barbieanos". Mas isto sou eu a divagar.

Voltando ao filme, e não querendo fazer demasiado spoiler, posso dizer só para aguçar o apetite que um dos temas principais de PERSONA vai ser um dos pontos chave de 3 WOMEN, no que diz respeito à troca de personalidades. E mais não digo. Digo só que Duvall nunca esteve tão senhora de si, sem nunca perder aquele charme de boneca de trapos que a caracteriza, e que Spacek repete a proeza de CARRIE: passar de uma rapariga com um aspecto ligeiramente esquisito e nada atraente, para uma beldade que atinge o apogeu da sua atracção física no momento de maior tensão e horror do filme. Quilha-se que estas gajas são mesmo boas! E parabéns a Altman por ter tido o genialismo de as juntar.


De resto, todo o filme parece ter sido também filmado em estado de sonho, à semelhança da sua criação, com o toque habitual de Altman de nos colocar por trás de uma câmera distante dos personagens, como se os tivéssemos a observar feitos fantasmas, incapazes de intervenir na desgraça inevitável que os espera. Especial destaque para os murais que aparecem no filme, que ajudam a encriptar e a deslindar toda a trama. Este era um Altman que eu há muito queria ver e fico contente que valeu toda a pena esta longa espera.