Reflexões sobre a Trilogia das Mães de Dario Argento

terça-feira, 31 de agosto de 2010


Quando somos jovens, descobrir o Cinema é uma aventura empolgante. Saber que existem milhares de filmes à nossa espera com a capacidade de mudar as nossas vidas e descobrir também que aqueles que mais nos impressionaram são muitas vezes os que fogem às listas de melhores deste ano ou daquele, ou os que canonicamente não são os melhores cotados, mas que por uma razão ou outra marcaram-nos de forma tão indelével que já não os conseguimos dissociar do nosso imaginário, porque nos entraram pela pele e fazem agora parte do nosso ADN.

Os filmes do realizador italiano Dario Argento encaixam na perfeição na descrição acima feita, visto que algumas das suas obras, embora não reconhecidas como sendo obras-primas ao nível de um Bergman ou de um Bresson, são hoje vistas como importantes explorações nos géneros do terror e do thriller. E ter lido recentemente que INFERNO irá ser lançado brevemente em Blu-Ray levou-me a escrever algumas linhas sobre a sua mítica Trilogia das Mães.


SUSPIRIA foi o primeiro filme de Argento que vi e o seu impacto em mim, jovem cinéfilo, foi tal que em dois dias já o tinha revisto três vezes. O cinema sem grande narrativa ou lógica sempre fez muito sentido na minha cabeça (desde que acompanhado por fortes visuais, o que é o caso), por isso foi com grande entusiasmo que eu descobri um realizador que sabia aliar uma história simples mas interessante a uma espectacular fotografia, carregadíssima de cores garridas e contrastantes. Ah!, e era sobre bruxas! Não podia ter tido melhor introdução, então. O meu fascínio era tal que eu quase obrigava a minha família e amigos a partilharem comigo a minha "descoberta".

O meu gene de rato de biblioteca levou-me a ler tudo o que encontrava sobre este filme e o que se seguiu - INFERNO - e a descobrir que Argento se tinha inspirado numa obra um pouco obscura de Thomas de Quincey (o autor de Confessions of a Opium Eater), intitulada Suspiria de Profundis. A base da história é esta: há um arquitecto, chamado Varelli, que vai construir 3 casas, uma em Freiburg, outra em Nova York e uma terceira em Roma, para 3 irmãs dadas às artes da bruxaria. Estas 3 irmãs - Mater Suspiriorum, Mater Tenebrarum e Mater Lacrimarum - vão então tentar dominar o mundo através das suas maléficas artes e com a ajuda mística dessas 3 casas, que encerram nas suas peculiares arquitecturas os segredos para os seus poderes. E basicamente é isto. O que não é pouco, como poderão notar. Se a alquimia e a feitiçaria vos fascinam, encontraram aqui o jackpot.


E é exactamente sobre a alquimia que trata o segundo tomo desta trilogia que durante muitos anos se pensou ficar inacabada. Sobre isso, mais à frente. INFERNO leva-nos de Freiburg a Nova York, mas mantém as cores garridas e a narrativa fracturada e funciona na perfeição como uma sequela ao agora clássico SUSPIRIA. A minha primeira visão foi conotada de medos e de dúvidas que rapidamente se dissiparam quando me apercebi que estava perante um coeso filme (pedindo desde já perdão pela adjectivação paradoxal em relação a um filme que é tudo menos) e, acima de tudo, um filme que me deixou ainda mais intrigado do que o anterior. Porque é no tom bem mais subtil e misterioso, em contraste com as exuberâncias in-your-face do primeiro, que reside o seu charme.

Venha quem vier, mas para mim INFERNO consegue ser infinitamente mais interessante e melhor conseguido do que SUSPIRIA. Só é pena não ter uma banda-sonora tão magnífica. Porque a de SUSPIRIA é-o e de uma maneira inclassificável. E nisto vejo-me chegado àquele beco sem saída que todos os fãs desta trilogia chegaram num ponto ou outro: para quando o terceiro filme? Por muitos anos, pensou-se que nunca veríamos tal filme, visto que Argento não tinha a mínima vontade de o fazer. Ajudando à missa, Daria Nicolodi, a sua ex-mulher, andava a dizer em entrevistas que Argento lhe tinha roubado a ideia da trilogia e que ela já sabia inclusivé como iria terminar a saga das 3 irmãs. Algo precisava ser feito e rápido. O momentum é tudo no mundo do Cinema e há que agarrá-lo. E foi assim que MOTHER OF TEARS foi anunciado como estando em produção. Orgasmo em massa de todos os Argentófilos. E será que valeria a pena a longa espera?


A resposta é, tristemente, não. Didáctico até ao insulto, tão subtil como um elefante em debandada, MOTHER OF TEARS assume-se como uma pálida tentativa de recuperar os tempos áureos de Argento, exibindo tudo aquilo que o realizador italiano tem de melhor e de pior. Porque é realmente na inconstante qualidade que este filme mostra a sua verdadeira natureza. Argento é capaz de nos chocar como poucos e há muito aqui que nos choca, mas o mais chocante é vermos que ele é incapaz de suster uma cena dramática. Nem a sua filha, Asia Argento, safa o filme da mediocridade. Mas é sobretudo no look completamente anónimo deste MOTHER OF TEARS que jaz a minha maior mágoa. Tanto SUSPIRIA como INFERNO tinham um look, look esse que ia buscar influências à Arte Nouveau e Deco, o que lhes emprestava um ambiente único e os distinguia do que era feito na altura. Argento abandona tudo isto em favor de uma corriqueira visão do que poderia ser um grande filme de terror e uma conclusão em grande para uma das maiores trilogias do cinema de género. É nestas alturas que me apetece viver numa realidade alternativa onde tal filme foi feito.