The Music Lovers

sexta-feira, 28 de agosto de 2009


Estão prontos para me verem a “cascar” em mais uma grande editora? Pois bem, MGM América, desta vez és tu que és chamada à barra. E mais uma vez, porquê esta teimosia em deixar que os mais importantes filmes de Ken Russell passem ao esquecimento (ler os posts dedicados a THE DEVILS e a THE BOY FRIEND)? E porquê privarem o público de comprarem os seus filmes no formato digital, seja ele qual for? Agora que o VHS morreu, a única hipótese de os vermos é “ilicitamente” (se é que se pode chamar ilícito o acto de querer ver boa arte a qualquer custo ou meio), por isso convido-os a verem esta obra-prima às fatias no YouTube no vídeo que vos deixo no fim deste post. Aproveitem enquanto os totós da MGM não descobrem que alguém anda interessado em ver um dos seus filmes que eles, por sua vez, acham que ninguém deve querer ver ou dar-se ao trabalho de gastar bom dinheirinho para o comprar. Bem, mas passemos ao mais importante: o filme em si.

Ainda fresquinho do sucesso que obteve com WOMEN IN LOVE, Russell consegue vender o seu próximo projecto à MGM da seguinte maneira: em vez de lhes dizer que irá realizar um biopic sensaborão sobre a vida e obra do compositor russo Tchaikovsky, diz-lhes que o seu próximo filme será sobre um homossexual retraído que acaba por se casar com uma ninfomaníaca, casamento esse que nunca será consumado, o que a levará à loucura. O que, no fundo, é a história de Tchaikovsky. Nada nas suas palavras era mentira. É claro que há muito mais para contar além desse “pormenor”, nomeadamente o mecenato bastante sui generis de uma viúva rica que fez questão de nunca se conhecerem pessoalmente; o caso com um conde, que nunca assumiu; a dedicação extrema a que se entregou à sua arte o que o levaria à glória e reconhecimento já na última fase da sua vida; o gradual desmoronamento da sua vida pessoal e a descida ao inferno da insanidade por parte da sua esposa. Como vêm, a história de Tchaikovsky tem todos os elementos para um bom filme: dramas pessoais, paixões proibidas, conflitos artísticos e uma grande banda-sonora a acompanhar as festividades.

Neste THE MUSIC LOVERS, Ken Russell começa já a demonstrar o seu talento visual em toda a sua força, com passagens visuais memoráveis e arrojos narrativos que ainda hoje têm bastante impacto a quem os experiencia, nomeadamente os momentos em que combina extractos musicais das mais importantes criações do famoso compositor com imagens riquíssimas em detalhes visuais e simbólicos do que passava na sua vida na altura em que foram compostas. Para provarem um pouquinho do que estou a falar, dêem um salto à fatia 2/14 do vídeo abaixo, onde terão o prazer de ver uma longa cena onde os diálogos são inexistentes, mas onde a música e a imagem se fundem para criar uma das mais poderosas cenas jamais postas em celulóide. Em especial destaque estão obviamente os actores principais: Richard Chamberlain e Glenda Jackson, com quem Russell já tinha trabalhado no seu anterior WOMEN IN LOVE. Chamberlain protagoniza o papel de Tchaikovsky com grande arrebatamento e paixão e, no fundo, ele é o actor ideal para tal papel, visto que na altura também ele era um homossexual não assumido que começava a dar cartas no mundo do cinema, tendo começado a sua carreira no pequeno ecrã, à semelhança de Russell. Jackson é exímia no papel de mulher enganada e de esposa de fachada que, a pouco e pouco, vai perdendo o contacto cognitivo com o mundo real, refugiando-se na ilusão doentia de que Tchaikovsky um dia ainda vai ser dela.

Como vêm, isto é material do bom e é sinceramente um pecado que tal obra-prima esteja a ser privada de ser visionada e discutida e reapreciada no século XXI. Houve uns rumores que o DV D iria finalmente ser lançado no mercado norte-americano aqui há um par de anos atrás, mas isso não passou disso mesmo: rumores. É pena, muita pena mesmo. Enquanto isso não acontece, vejam o filme aqui mesmo, no seu formato original, num glorioso PANAVISION, a lembrar a toda a gente que há grandes artistas ainda vivos que não têm o reconhecimento que merecem.