Reflections in a Golden Eye ou A Bizarra Carreira de Elizabeth Taylor Parte 2

sexta-feira, 6 de novembro de 2009


Ora aqui está um filme que ainda hoje me pergunto como é que chegou a ser feito. Que coragem para o lançar para as salas de cinema! Bizarro é pouco para o descrever. Homossexualidade latente, estereótipos ofensivos, nudez masculina, adultério e um homicídio, há de tudo neste filme do veterano John Huston, com Elizabeth Taylor e Marlon Brando nos papéis principais.

A história centra-se no casal Taylor/Brando, ele um militar severo, ela uma dona-de-casa mimada e não muito culta. Como podem adivinhar, o seu casamento não anda lá muito bem, com Brando a fugir às suas obrigações matrimoniais, por assim dizer, e Taylor a procurá-las no melhor amigo do seu marido, também este um militar. Casado. A história de todos os dias, correcto? O interessante da coisa é que Brando nutre um certo tipo de amor “grego” por um dos seus alunos, se é que me faço entender, amor esse que nunca passa do platonismo exacerbado com que o admira à distância, por muito que isso o atormente. E é aqui que começam os verdadeiros problemas.

Não se preocupem que não vou fazer mais spoilers, isto foi só mesmo para vos dar um gostinho do verdadeiro banquete de temas proibidos (na época) que este filme oferece. Mas se pensam que a bizarria do filme termina aqui, enganam-se. Huston resolveu levar à letra o título do filme e filmá-lo todinho em dourado. Literalmente. Se bem se lembram, as películas a preto e branco dos primórdios do cinema continham nitrato de prata (o que dava um particular brilho às imagens sendo contudo de fácil erosão e corrosão, daí que o dinheiro gasto em restauração de filmes antigos nunca seja demasiado), e Huston resolve utilizar nitrato de ouro na película utilizada na rodagem do filme para assim lhe conceder um particular aspecto de sépia, onde somente se escapam as cores mais vivas. Devo dizer que o resultado é bastante único e não há mais nenhum outro filme que tenha utilizado esta técnica de fotografia (também devido às reacções um tanto ou quanto negativas por parte do público aquando da sua estreia, que não acharam lá muita piada à coisa, tendo sido depois lançada para as salas uma cópia com cores mais realistas e sem o tal aspecto dourado).

Taylor está excelente no papel de uma mulher que, embora sem grande cultura, possui grande sabedoria quando chega a altura de lidar com os homens da vida dela. Ela tem-nos aos dois na palma das suas mãos e joga com as suas vidas e emoções com a perícia de uma mulher sabida e vivida. E muito mesquinha também, acrescente-se. Já Brando surpreende-nos com mais uma das suas representações que vão para além do esperado, deixando-nos, numa cena-chave, face a face com um homem perdido nas suas emoções e identidade. É realmente fascinante ver este homem a representar. Ah, quase me esquecia: o papel de Brando era para ser originalmente para Montgomery Clift, amigo pessoal de Taylor na altura e, ele próprio, homossexual mais ou menos assumido. Ou seja, a escolha ideal. Mas Clift não quis e Brando foi uma segunda escolha muito acertada, a meu ver.

Bem, como estão a ver, isto promete e se estão para aí virados, experimentem lá esta incursão ao mundo escondido das relações proibidas com um gostinho do sul da América. Numa frase, este filme faz lembrar o tipo de conversas que as senhoras do sul têm enquanto apanham sol em biquini à beira da piscina, onde tudo é contado muito baixinho e entre-dentes. Histórias cabeludas. Muito cabeludas. Sabem quando estamos de olhos fechados a descansar sob o sol e depois os abrimos e tudo está em tons de amarelo ou dourado? Ora aí têm o filme todinho nesse mesmo instante.