O Túmulo dos Pirilampos

sábado, 17 de abril de 2010


Venho um pouco tarde, eu sei, mas não queria deixar passar o aniversário sem dar o meu contributo.

Os aniversários (apesar da leviandade com que são tratados pela maioria das pessoas, incluindo o vosso caro redator) relembram-nos da efemeridade da vida e quão transitório tudo é.

Sic Transit Gloria Mundi dizem-nos os cristãos e, pelo menos nesta, concordo com eles.

O filme de que vos falar hoje foi-me oferecido no meu aniversário e, de um modo (relativamente) subtil fala-nos disso mesmo: da transitoriedade da vida.

O Túmulo dos Pirilampos é o nome do filme mais triste - e o único que quase me fez chorar se bem me recordo - que alguma vez vi... e já vi uns tantos.
Considerado como o "mais poderoso filme anti-guerra de sempre" pelo crítico norte-americano Robert Ebert, é uma adaptação de uma novela semi-auto-biográfica de Akiyuki Nosaka, escrita e realizada por Isao Takahata e cuja animação foi encomendada aos Estúdios Ghibli (que nos contam sempre histórias tão bonitas e com uma carga moral tão pesada).

Foi comparado à Lista de Schindler (pelo historiador de animação Ernest Rister) mas isso é, francamente, tirar crédito a este filme que, ao contrário do citado, não é um filme de propaganda (e não me entendam mal aqui por favor, que eu não nego o Holocausto) informado por um conjunto de preconceitos emocionais e culturais muito pouco isentos.

Esta novela, é um pedido de desculpas póstumo do autor à sua irmã mais nova que morreu à fome durante a 2ª Grande Guerra. Ele culpa-se por isso e tenta com esta obra uma catarse que o ajude a lidar com a tragédia.

Como muito bem dito foi na Wikipedia relativamente a este filme: "O filme foca a sua atenção quase exclusivamente nas tragédias pessoais que surgem na guerra em vez de a tentar glamorizar como uma luta heróica entre ideais".

Falemos então da história do filme propriamente dita.

Logo no início, vendo Seita (o irmão mais velho ainda que pré-adolescente) em andrajos a morrer à fome numa estação de combóios, percebemos que não vai ser um filme animado. Um faxineiro aproxima-se e, remexendo nas coisas do já cadáver Seita, encontra uma lata de rebuçados que contem ossos e cinzas; deitando-a fora, o faxineiro liberta os espíritos de Setsuka (a irmã mais nova), e Seita que nos passa a narrar as suas histórias.

A história é muito triste mesmo. E mais triste ainda porque sabemos que estas coisas aconteceram com muitas pessoas - e numa guerra, estas coisas tendem a passar-se sempre com as pessoas erradas, os civis.

Então no final da guerra, os norte-americanos, já deixando adivinhar o seu forte sentido de ética marcial, bombardearam a cidade de Kobe com bombas incendiárias o que, claro, acabou por afectar mais os civis do que propriamente os militares.

E assim é, que a mãe dos dois irmãos acaba por morrer no seguimento de um desses bombardeamentos. Sendo o pai um oficial da Marinha Imperial e estando ausente por causa da guerra, os irmãos acabam por ir viver com uma tia, que com o progresso da guerra e a subsequente escassez de víveres acaba por levar os desgraçados a abandonarem a precária segurança da sua residência.

Soa mal não é? A única família que resta aos desgraçados a fazer-lhes uma coisa destas.

Mas a guerra tem destas coisas, se por um lado, e evocando aquilo a que o filósofo e esoterista italiano Julius Evola define como a Grande Guerra, que é interna pessoal e espiritual, revela heróis, na maioria dos casos, só traz mesmo ao de cima o instinto primário da sobrevivência e esse, não conhece laços familiares ou afectivos.

E lá vão os desgraçados viver para um abrigo anti-bomba abandonado, com nada que não a sua jovialidade e inocência. E durante uns tempos até se safam.

O filme é brutal porque a animação permite mostrar os horrores da inanição e da miséria humana de um modo que não se consegue com actores.

Por um lado vemos os irmãos em brincadeiras verdadeiramente idílicas, mas também vemos todos aqueles desgraçados que com humanos se parecem pouco, dada a fome... e os hospitais cheios de vítimas inocentes... e a maldade das pessoas... e um suceder de horrores que claro, acaba, como tudo o que vive acaba por morrer.

Se por vezes o filme transpira um certo sentimento de "esperança" este rapidamente é demolido, sem piedade, sem tempo para assimilar.

Que a miséria é mesmo assim, rápida e brutal, sem escrúpulos, sem contemplações.

Os pirilampos são um símbolo poderoso neste filme; todas as noites servem de iluminação no abrigo dos irmãos.
Perecem rapidamente dado o seu curto ciclo de vida e são enterrados no abrigo. Jovem demais pereceu também Satsuko.

E as bombas incendiárias... não serão também elas como pirilampos?

Para os japoneses os pirilampos são igualmente um símbolo da alma, que para eles é como uma esfera flutuante que brilha intermitentemente.

Poderia discorrer sobre tudo isto e contar-vos a história toda, mas não quero. Quero mesmo que vejam o filme; quero mesmo que vejam como a pobre Setsuko morre à fome, chupando botões que em delírio julga serem rebuçados (que é um dos símbolos recorrentes do filme) e que pouco antes de expirar o seu último sopro oferece ao irmão bolos de arroz que na verdade não passam de bolas de terra...

E depois reflictam sobre a vida e sobre a transitoriedade de que falei acima.

A impermanência é real.

Celebremos este aniversário então com uma nota séria e pensemos sobre as nossas próprias vidas que, como pirilampos, se extingarão mais depressa do que julgamos.

Podiam-me ter oferecido uma prenda de aniversário melhor quando me deram este filme, algo mais animado digo eu, mas se calhar, foi mesmo a prenda mais acertada...