"Se morrer, morro
Interessa que te dei os meus olhos, meu amor, tragicómica, eu, de ser para ti para sempre
Se viver, vivo
deixei de ver
E que me lembre do poder do verbo, da súmula das palavras, da imensidade dos sentidos, da licenciosidade dos significados Se tremelicar, tremelico
e não segura
Que te tenha dito tantas vezes que, além dos meus olhos, te dei o vidrino fio da minha conivência perpetrada até à linfa das coisas invisíveisSe definhar, definho
e desvario
Mãe, que a ti te tenha feito sentir o apreço ao aleatório vagaroso e narcóticoSe tombar, tombo
e me estendo, enfim
Que as alas se abram para o meu cancro de alma se purgar e se livrar de mim, no finalmenteSe vagarar, vagaro,
ela toma-me a expressão, rouba-me da língua a palavra
Que apareçam os gatos perdidos e se soltem os enclausurados, para que me despeça Se vaguear, vagueio
naquele sítio entre o céu e a terra e sonho
Que os doidos saiam à rua de chapéu para cantar e dançar, que eu sou uma delesSe ceder, cedo
e cedo cedo
Que a perfídia se assuma vestida de Fátima e Maria.Que a loucura seja ensinada nas escolas, como uma extravagante ciência humana, no mesmo módulo da poética.
Meus filhos, que vos possa ter feito entender a mensagem excelsa da liberdade.
Porque hoje morro.
Hoje morro de desesperança e fracasso, de incapacidade.
Morro, porque não fiz por vós o suficiente, nem por mim, nem por homem algum, morro de uma doença que não se alivia, que não melhora, de uma contusão de corpo inteiro, morro de crescimento e madureza, porque sou tão nova para ser imputada, tão nova para ver gastas as minhas ficções de Paris e de amor romântico.
Morro porque não quero morrer."
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